Você já ouviu aquela frase “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”?
Essa frase já foi objeto de muita discussão por aí. Até o carismático Padre Fábio de Melo já recomendou que o Pequeno Príncipe procure um terapeuta, apesar da frase não ter sido dita pelo principezinho, mas, sim, pela raposa.
Fato é que isso faz muito sentido quando falamos em contratos, em especial quando falamos da fase pré-contratual.
Mas o que é a “fase pré-contratual”?
A fase pré-contratual é aquela onde as partes ainda estão negociando; são aquelas conversas preliminares que podem ou não resultar em um contrato. Para citarmos um exemplo simples, é quando você chama um marceneiro em sua residência para que tire as medidas e elabore um orçamento para a confecção de uma determinada mobília. Enquanto você não aceitar aquele orçamento e celebrar o contrato (que, neste caso pode ser verbal ou escrito), essas negociações se encontram na fase pré-contratual.
E o que o Pequeno Príncipe tem a ver com isso?
Já dissemos aqui sobre a importância da boa-fé nos contratos. Nesse texto, vamos ver que a boa-fé também é muito importante quando ainda não existe um contrato, ou seja, quando ainda se está na fase pré-contratual.
Mesmo que você ainda esteja negociando com a contraparte, ao “cativá-la”, pode ser que você seja responsabilizado judicialmente se, no meio do caminho, passar a adotar uma conduta que frustre as justas expectativas alimentadas e gere danos ao seu (futuro) parceiro de negócio.
Um exemplo bastante didático ocorrido há alguns anos é o chamado “caso dos tomates”[1]. Nesse caso, uma grande fabricante de molhos de tomate distribuía a agricultores sementes de tomate para plantio, vindo a adquirir os frutos posteriormente. Agiu dessa forma por anos até que, em determinado ano, embora tenha distribuído as sementes e estas tenham frutificado, optou por não mais comprar os tomates dos agricultores, que ficaram com um enorme estoque do produto sem conseguir revendê-lo, arcando com um grande prejuízo.
Essa situação foi levada ao Judiciário que entendeu que a conduta da fabricante contrariou uma justa expectativa alimentada nos agricultores. Veja que não havia qualquer contrato entre a fabricante e os agricultores onde aquela se comprometia a adquirir os tomates. O que ela fazia era apenas distribuir as sementes (fase pré-contratual) para depois voltar e adquirir os frutos (o que caracterizaria um contrato de compra e venda). Mesmo assim, o tribunal entendeu que houve uma quebra da boa-fé na fase pré-contratual capaz de gerar o dever de a fabricante indenizar os agricultores pelos prejuízos sofridos.
A conduta da fabricante nos anos anteriores gerou o que podemos chamar de um padrão de comportamento que “cativou” os agricultores. Ao decidir não mais comprar os tomates mesmo após a distribuição das sementes, a fabricante quebrou esse padrão que alimentou por anos, gerando danos que, conforme decidido no processo judicial, precisaram ser reparados.
Portanto, ao iniciar uma negociação para a aquisição ou venda de um produto ou de um serviço, é muito importante que se adote uma conduta leal e transparente para evitar o risco de um prejuízo lá na frente. Por isso, também nessa fase de negociações, ou seja, na fase pré-contratual, o acompanhamento de um advogado é muito importante, pois o profissional poderá orientar o cliente de forma preventiva dando-lhe mais segurança em sua atuação e, como resultado, economizando quantias expressivas em futuras indenizações.
André Tisi
[1] Apelação Cível 591.028.2915, 5ª. Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
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