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  • Foto do escritorTisi Advocacia

A nova Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023) e o Estado interventor


O Direito Desportivo no Brasil ainda é matéria de pouca discussão e até mesmo difusão, mormente ao verificarmos que nas universidades brasileiras é raramente ministrada a referida disciplina, nem sequer como matéria optativa.


Nada obstante, o desporto representa tema que desperta bastante interesse nos estudantes e operadores do Direito, o que tem alterado um pouco esse quadro nos últimos anos, refletindo na própria legislação.


Com efeito, a legislação desportiva foi alvo de substanciais alterações em um relativo curto espaço de tempo. Veja que, após a constitucionalização da Justiça Desportiva, com a inserção do artigo 217 na Constituição da República, foi promulgada a Lei 8.672/93, popularmente conhecida como Lei Zico; logo após, em 2008, a Lei 9.615/98, chamada de Lei Pelé e, ainda mais recentemente, a Lei da Sociedade Anônima do Futebol - SAF (Lei nº 14.193/2021).


Retratando a contemporânea efervescência do estudo do Direito Desportivo – talvez motivada por grandes eventos ocorridos no país (Copa do Mundo e Olimpíadas) – em outubro de 2015 foi instalada no Senado uma Comissão Temporária visando à apresentação de um anteprojeto de uma nova Lei Geral do Esporte, que substituiria a legislação em vigor, em especial a Lei Pelé, visando modernizar a legislação sobre o tema.


Fruto desse trabalho, em 15/06/2023 foi sancionada pelo Presidente da República a Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023), que surge como mais um ingrediente a despertar a curiosidade da comunidade jurídica, merecendo a atenção dos que nesta seara laboram ou almejam laborar, justamente porque, mais uma vez, a Lei Geral do Esporte apresenta consideráveis alterações sobre a matéria.


De início, na esteira da diretriz constitucional, que atribui ao Estado o dever de fomentar práticas esportivas (art. 217, CF), nota-se que a Lei Geral do Esporte contém dispositivos que abordam esse dever. No entanto, o novo texto traz um Estado muito mais interventivo, o que pode gerar efeitos contrários aos pretendidos.


Com efeito, a legislação então em vigor apresenta uma ação indutiva do Estado, que mudará com a Lei Geral do Esporte.


No que importa para esses primeiros comentários, vejo com cautela a criação desses mecanismos interventivos, em especial na atual conjuntura econômica que tem demandado a adoção de medidas de austeridade ao Estado brasileiro, a despeito da adoção ou não dessas medidas.


Veja que, inobstante a Constituição da República circunscreva o dever do Estado de fomentar o esporte, princípio reproduzido no artigo 2º, inciso V, da Lei Pelé, não há na legislação em vigor normas que, a princípio, regulamentem a atuação do poder público como agente que protagonize a promoção do esporte.


Nesse aspecto, o Estado atua muito mais através da concessão de incentivos fiscais às entidades desportivas, como disciplinado, v.g., na Lei de Incentivo ao Esporte (Lei 11.438/2006), sendo esta uma maneira de atender a este dever constitucional.


Para que se exemplifique a dimensão da questão a ser alterada, vejamos o que diz o artigo 3º, § 1º, da nova Lei Geral do Esporte:


Art. 3º Todos têm direito à prática esportiva em suas múltiplas e variadas manifestações. § 1º A promoção, o fomento e o desenvolvimento de atividades físicas para todos, como direito social, notadamente às pessoas com deficiência e às pessoas em vulnerabilidade social, são deveres do Estado e possuem caráter de interesse público geral.

Tal previsão representa um claro risco, no futuro, de propagação de ações judiciais visando à implementação de mecanismos que propiciem à população a prática desportiva.


Logicamente, ninguém nega a importância dos exercícios físicos para a saúde e para a inclusão social, mas colocar mais essa obrigação sobre os ombros do já combalido Estado brasileiro inevitavelmente trará, em última instância, mais ônus à população como um todo na forma de mais impostos.


Nesse particular, importa salientar que a previsão de criação do Fundo Nacional do Esporte foi vetada pela presidência, o que torna a questão sobre a proveniência dos recursos públicos para o fomento ainda mais tormentosa.


Contudo, mesmo que a criação do Fundo Nacional do Esporte seja mantida pelo Congresso, que ainda analisará os vetos presidenciais, arrisco dizer que apenas os valores arrecadados ao FNE, que já será certamente composto pelo aumento da carga tributária, não sanarão a quantidade de demandas e condenações que poderão surgir.


Isso porque os mecanismos interventivos criados pela Lei Geral do Esporte têm um escopo bem amplo, que abrem espaço para interpretações. Exemplo de algo nesse sentido é visto no âmbito do direito universal à saúde, também inscrito em nossa Constituição (art. 6º), onde vemos a crescente judicialização da saúde, impondo ao Estado o custeio de tratamentos e medicamentos.


Portanto, sem a pretensão de esgotar o tema, fica a reflexão inicial acerca dessa parte específica do texto.


Com o devido respeito, não podemos mais cair no erro de editar leis que confiram ou regulamentem direitos universais sem a constatação do que isso realmente significa em termos econômicos e financeiros.


Não podemos esquecer que, conforme dito por Margaret Thatcher, “não existe essa coisa de dinheiro público; existe apenas o dinheiro dos pagadores de impostos”. Ou seja, quanto maiores as obrigações que conferirmos ao Estado, maior será a espoliação do contribuinte.


André Tisi

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