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  • Foto do escritorTisi Advocacia

“Contratos são como corações, eles são feitos para serem quebrados”. Será?


Essa frase foi dita por Ray Kroc aos irmãos McDonald no filme Fome de Poder (The Founder, no original em inglês), que conta um pouco a história da maior rede de fast food do mundo.


Se você ainda não conhece essa história e não assistiu ao filme, devo alertá-lo que este texto contém spoilers!


O filme tem como protagonista Ray Kroc, um vendedor de máquinas de fazer milk-shake que viajava pelos Estados Unidos visitando restaurantes para oferecer o seu produto, quase sempre sendo rejeitado, mesmo após uma elaborada argumentação.

Em determinado momento, ele recebe uma robusta encomenda feita por um estabelecimento localizado no interior da Califórnia. Intrigado com o tamanho da encomenda, pensando ser um engano, ele resolve ir até o local e se depara com o McDonald’s: um restaurante ainda modesto, mas que possuía uma sistemática de serviço que ele nunca havia visto, onde se pagava 15 centavos de dólar por um hambúrguer que ficava pronto em apenas 30 segundos. Algo revolucionário para a época!


Aquilo animou Kroc de tal maneira que, após muita insistência, conseguiu convencer os irmãos McDonald a franquear a marca, responsabilizando-se por esse processo de expansão.


Como os irmãos já haviam tentado franquear o McDonald’s sem sucesso, pois não conseguiram garantir a qualidade do serviço e do produto à distância, eles tomaram o cuidado de consultar um advogado para que fosse elaborado um contrato garantindo que os irmãos teriam total controle sobre todas as decisões a serem tomadas na rede de restaurantes, além de fixarem os percentuais de remuneração deles e de Kroc de acordo com seus melhores interesses.


Kroc, talvez levado pela empolgação do momento, simplesmente assinou o contrato sem pestanejar. Essa cena do filme é bastante emblemática, pois apresenta os irmãos McDonald ladeados por um advogado, enquanto Kroc aparece sozinho folheando o contrato quase que numa leitura dinâmica, concordando com tudo o que ali estava escrito. Certamente, tudo o que ele mais desejava era “colocar a mão na massa” e detalhes contratuais não lhe interessavam.


Se você reparar bem nas cenas anteriores do filme, perceberá que os irmãos McDonald eram bem simples e a conduta de ambos durante as negociações não geraram qualquer desconfiança em Kroc de que o contrato futuramente elaborado não seria justo. Já tivemos a oportunidade de falar sobre a boa-fé na fase pré-contratual neste texto.


No entanto, na medida em que o projeto de Kroc ia sendo colocado em prática e as franquias do McDonald’s iam surgindo por várias cidades americanas, ele não via sua conta bancária crescer na mesma proporção. Em verdade, ele estava ficando cada vez pior financeiramente.


Além disso, toda vez que Kroc tinha uma solução para algum problema que ele detectava no dia-a-dia das operações, por força do contrato que ele assinou, era necessário que houvesse o consentimento dos irmãos McDonald para implementação da solução em toda a rede. Mas a verdade é que os conservadores irmãos McDonald nunca davam o consentimento pedido por Kroc.


Essa dinâmica complicada começou a minar a relação entre irmãos McDonald e Ray Kroc até que, em uma discussão telefônica, ao ser “lembrado” da existência do contrato, Kroc solta a seguinte pérola:


“Contratos são como corações, eles são feitos para serem quebrados”

A partir daí, a relação entre as partes simplesmente desmorona e a história passa a relatar como Kroc conseguiu suplantar os irmãos McDonald até que estes vendessem a Kroc todas as operações da rede McDonald’s.


O que essa história tem a nos ensinar sobre contratos?


1. Os contratos, via de regra[1], devem ser equilibrados


Não basta que você consulte um advogado e que ele elabore um contrato que satisfaça apenas os seus anseios e necessidades, sem levar em consideração os anseios e necessidades da contraparte. Um contrato como o celebrado entre os irmãos McDonald e Kroc deve ser equilibrado, de modo que possa fundamentar uma relação sustentável para as partes, ainda mais quando estamos tratando de um contrato que durará por um longo período.


Na história contada pelo filme, Ray Kroc aceitou todas as condições que lhe foram propostas quando da assinatura do contrato e isso provavelmente foi considerado um episódio bem-sucedido pelos irmãos McDonald e por seu advogado. Perceba, na cena, como o advogado dos irmãos olha para eles com orgulho quando Kroc assina a papelada sem questionar.


Porém, no futuro, isso, aliado à inflexibilidade dos irmãos, se revelou uma imensa dor de cabeça que acabou muito mal para eles.


2. Problemas poderão surgir ao longo da relação contratual. Quando isso acontecer, a boa-fé deverá ser o norte para que as soluções sejam alcançadas


Mais uma vez vemos como a boa-fé é importante na relação contratual. Os irmãos McDonald propuseram as suas condições no contrato sem levar em consideração as possibilidades e expectativas de seu parceiro. Pode ser que não fosse possível prever esse desequilíbrio no momento da assinatura do contrato e, ao que pareceu, eles não o redigiram na intenção de prejudicar o parceiro. No entanto, mais tarde, ficou claro que a relação não estava dando retorno para Kroc; ao tentar negociar com os irmãos McDonald, estes foram intransigentes, o que resultou no estremecimento e, por fim, na quebra do contrato.


Em uma relação contratual continuada, é muito comum que no trajeto algumas adaptações se façam necessárias em prol da continuidade do negócio, principalmente quando ocorrem imprevistos que quebram o equilíbrio contratual. Isso não significa que você tenha de fazer algo que você não queira, mas é importante haver entre as partes uma disposição para negociar.


Além disso, já na fase de elaboração do contrato, é importante que, tanto quanto possível, sejam inseridas cláusulas que previnam conflitos futuros e que apontem caminhos para a solução dos conflitos que surgirem.


Obviamente, ninguém tem o poder de prever o futuro, mas um advogado capacitado muitas vezes sabe, com base na própria experiência, onde estão os pontos fracos em um relacionamento e poderá auxiliar na elaboração de um contrato equilibrado e sustentável.


3. Contratos NÃO são como corações


Ainda que Kroc tenha sido acuado, por assim dizer, com a intransigência dos irmãos McDonald, a conduta que ele passou a adotar como resposta representa um claro exemplo de violação da boa-fé contratual.

A história relata que Ray Kroc passou a procurar brechas e, até mesmo, descumprir descaradamente o contrato para se beneficiar e, não apenas isso, prejudicar os irmãos McDonald. Essa jamais deve ser a conduta a ser adotada em situações de desequilíbrio.


Em último caso, o Poder Judiciário deve ser acionado, pois a nossa legislação permite, em algumas situações, que o contrato vigente possa ser revisto judicialmente no sentido de reequilibrá-lo, fazendo com que a relação entre as partes possa ser preservada.


4. Formalize o seu contrato


É muito importante que você formalize o seu contrato. Quando a relação entre os irmãos McDonald e Kroc chegou a um estado insustentável, finalmente houve disposição em encerrar a relação de uma forma “amigável”. Assim, conforme relata o filme, os irmãos McDonald propuseram a venda da rede à Ray Kroc mediante o recebimento de uma quantia à vista e 1% do faturamento futuro de toda a rede.


No entanto, em mais uma cena emblemática, desta vez onde Kroc também estava representado por um advogado, houve aceitação de todos os termos propostos pelos irmãos McDonald, desde que o ajuste quanto ao pagamento do percentual do faturamento não constasse do contrato, ou seja, fosse feito verbalmente. A cena termina com o aperto de mãos selando o acordo, mas no semblante dos irmãos é possível ver claramente que eles sabiam que Kroc jamais cumpriria essa promessa de pagar o percentual do faturamento, o que, segundo relata a história, de fato nunca aconteceu.


O acordo “no fio do bigode” feito por eles não trouxe a segurança necessária e o resultado foi que os irmãos McDonald deixaram de receber dezenas, senão centenas de milhões de dólares nos anos que se seguiram.


O mundo dos negócios é muito dinâmico. Como Kroc, é comum que empresários, focados nas oportunidades, não se atentem aos detalhes que podem fazer bastante diferença no sucesso do empreendimento. De outro lado, como os irmãos McDonald, é possível que empresários tenham plena confiança que um contrato que lhes seja inteiramente favorável garanta a sustentabilidade do negócio.


Em ambos os casos, um advogado capacitado poderá ajudar trazendo uma visão mais técnica quanto aos riscos do empreendimento, equilibrando os interesses e auxiliando no sucesso do negócio.


André Tisi

[1] Há contratos que, por sua natureza, não são essencialmente equilibrados.

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